ESPECIAL DIA DO ROCK Especial

“Vivemos um momento de ignorância coletiva”, diz guitarrista da Nação Zumbi

Em entrevista ao Guia Taubaté, Lúcio Maia fala sobre show no Sesc, futuro da música brasileira, governo Bolsonaro e novo trabalho da banda


Em 13/07/2019 09:09 por Mário Pereira


“Vivemos um momento de ignorância coletiva”, diz guitarrista da Nação Zumbi
Banda se apresenta em Taubaté neste sábado (13) (FOTO: Fábio Braga )

Uma das principais bandas dos anos 90 chega a Taubaté neste sábado (13), trazendo na bagagem muito rock, maracatu e, principalmente, o DNA da música brasileira. Expoente do movimento Manguebeat, a Nação Zumbi se apresenta no Sesc, às 20h, com um repertório que vai do marcante disco “Da Lama ao Caos”, de 1994, ao mais recente, “Radiola NZ Volume 1”.

Formada atualmente por Jorge Du Peixe (vocal), Lúcio Maia (guitarrista), Toca Ogan (percussão), Toni Rocha (bateria), além de Matias e Da Lua (alfaias), a banda já soma 28 anos de estrada, sendo uma das mais influentes no cenário nacional.

Dona de músicas que falam sobre a questão social e cultural do país, a Nação Zumbi sempre fez questão de se posicionar politicamente, seja ainda na época com Chico Science – vocalista e líder da banda, que faleceu em 1997 vítima de um acidente automobilístico -  ou com Jorge Du Peixe no comando dos vocais.

Em entrevista ao Guia Taubaté, o guitarrista e um dos fundadores da banda, Lúcio Maia, fala sobre a apresentação deste sábado, o futuro da música brasileira e de um novo disco da Nação Zumbi.

Confira abaixo os principais trechos:

Show da Nação em Taubaté
Lúcio Maia: “A Nação Zumbi está com 28 anos de estrada. A gente juntou uma bagagem, uma história, um caminho legal para contar. A gente vai levar para Taubaté um apanhado da vida inteira. São quase 30 anos da banda, então é muita conexão sonora”.

Futuro da música brasileira

LM: “Eu acho que o momento pior da música brasileira foi em anos atrás. Acho que de dois anos para cá tem melhorado bastante. Tem entrado uma outra cultura dentro do mercado que não é só o sertanejo. Tem o rap, tem muita gente aparecendo, tem toda essa geração trans, que é incrível, como Liniker, Jaloo, grandes ícones da música atual, grandes artistas. Alguns fenômenos do rap, foda para c* como a Karol Conka, de Curitiba. Eu acho que essa cena é infinitamente mais interessante que as anteriores, as das duas cenas anteriores. Teve uma cena do rock muito infantil, muito voltada para aquele negócio de infantiloide, criança mesmo, de aspecto infanto juvenil. Não era uma coisa que me atraía. Na sequência foi essa forca que foi o momento do sertanejo. Mas não dá para você culpar esses tipos de música. O problema do Brasil é que a gente vive uma tradição da monocultura, as coisas não podem coexistir, tem que ser uma coisa de cada vez. Então se começa o ‘boom’ do sertanejo, todo mundo só quer tocar sertanejo, os músicos só querem acompanhar os artistas sertanejos, não querem criar o seu próprio nicho. A galera que faz isso, que constrói o seu próprio nicho, pode entrar em qualquer período de ‘forca cultural’, que as coisas vão continuar tocando em suas vidas, um pouco pior, um pouco melhor, mas vai continuar. Essa monocultura musical é muito cansativa e o lado ruim é que isso esgota aquele momento e depois ninguém mais faz, como foi o pagode e tantas outras coisas que foram acabando porque era legal, mas ficou tão suprimido, que ninguém mais suporta fazer isso. Agora vai ser o rap, então o rap vai tomar conta e daqui a pouca vai virar aquela mesma coisa”.

Termo "música regional" é isolamento

LM: “Esse termo ‘música regional’ tem um carrego muito forte para mim. Quando se fala em música regional a tendência dela é de isolamento, como se você não fizesse parte daquilo, como se fosse uma coisa extrabrasileira. A imprensa tenta muito catalogar a música que vem do Nordeste como regional e isso é um certo isolacionismo. Eu não gosto de usar esse termo porque eu acho que todo lugar, se você pensar, existe sua própria música. O Rio de Janeiro criou sua própria parada, Belém do Pará também, e todos esses lugares têm suas características, sua demanda e apenas o Nordeste é colocado como música regional. Por que não se fala samba regional do Rio de Janeiro? O Russo [Passapusso, da banda BaianaSystem] falou isso e eu concordo com ele, a Nação Zumbi junto com o Chico (Science) fez uma coisa ser criada: de o nordestino perder a vergonha de fazer música com o sotaque dele. Você vê que rola uma pressão muito forte aqui no Sudeste contra o sotaque nordestino na TV. Jornalista não pode falar com sotaque jornalístico na TV, mas o carioca pode. Existe uma tentativa de um controle regional, de uma situação imposta, colocada de uma forma meio superiorizada, reduzindo o resto da cultura do Brasil. A carteira de identidade do Brasil vale para todo o território, então eu creio que qualquer pessoa tem direito de mexer, trabalhar com a música brasileira do jeito que quiser”. 

Cultura no governo Bolsonaro

LM: “Eu acredito que quando um país entra em crise econômica, o primeiro setor a ser atingido é o do entretenimento. A música, o teatro, o cinema, são os primeiros a serem afetados quando rola uma crise econômica dentro de um país. Em países que estão sempre em ascensão econômica, quando rola um impacto desse é muito estranho, o artista sofre muito e tal. Eu acredito que no Brasil a gente já está um pouco calejado com isso. A Nação Zumbi nesses quase 30 anos já atravessou várias fases horrorosas assim, mas obviamente nenhuma tão ruim e tão obscura como essa que a gente está agora. A gente está basicamente vivendo um momento de ignorância coletiva. Eu não faço ideia qual foi o problema de a classe artística ser culpada pela economia do país. Só pode ser uma pessoa muito desligada da realidade para falar uma coisa dessa. Não é a guerra do governo contra os artistas. O governo, ele briga com quem fala mal dele, pode ser artista, pode ser jornalista. Existe uma questão desse problema cultural, da cultura como sobrevivência, que faz com que a gente vá andando de cabeça erguida. Vamos para frente, vamos ver o que a gente consegue fazer. Uma coisa o governo não vai conseguir frear, que é a criatividade artística. Isso aí o governo pode fazer qualquer tipo de manobra para tentar coibir manifestação, mas a criatividade ele nunca vai conseguir frear. Eu faço fé que a gente deve em breve ter novos caminhos, novos horizontes. De certa forma, vou te falar que o período obscuro sempre impulsiona alguma manifestação forte e isso pode servir para nascer um novo ‘boom’ artístico no Brasil, assim como foi na ditadura. Quando você é encurralado pela ditadura você tem uma necessidade muito grande de gritar e sair daquilo. Acho que serve muito de incentivo artístico”.

Novos trabalhos da banda

LM: “Estamos trabalhando super (sic) em um disco novo. Não posso lhe falar quando a gente vai lançar, porque eu também não sei. Gostaria que fosse para esse ano ainda, mas talvez seja para o ano que vem. Como sempre a gente está individualmente trabalhando cada um com seus projetos. Eu vou lançar um disco solo que vai sair em agosto, que já está pronto ou ‘na fábrica’, como é costume falar. Tem a nova turnê que a gente está fazendo com a Sebosos [Los Sebosos Postizos, projeto paralelo dos integrantes da banda], que é uma versão de Bob Marley, que está bem bacana. A gente está caminhando, andando, levando música e as coisas que a gente sabe fazer”.

Saída do ex-baterista Pupillo

LM: “O caso dele [Pupillo, ex-baterista que ficou na banda entre 1996 e 2018, e que passou a dedicar-se a carreira de produtor] não foi uma perda (como perguntado pelo jornalista), foi uma troca. Eu acho que a perda sim foi com o Chico, que foi uma fatalidade. Mas essa saída do Pupillo foi uma coisa basicamente já premeditada há alguns anos. A gente substituiu e está trabalhando com vários outros músicos hoje. Tem o Tom Rocha, que é um super (sic) baterista, que é da Academia da Berlinda, nosso amigo de muitos anos, toca com a gente já há uns 4 anos. Então eu acho que não teve uma perda, teve uma mudança, porém mudanças são ótimas. Eu adoro sair da zona de conforto e ter que pensar, refazer, criar. Eu adoro isso, cara. Não só eu como os meninos também. Está todo mundo muito motivado, estamos trabalhando com uma galera super (sic) legal, que tem a ver com essa situação nova e tem algumas surpresas que eu não posso falar. A gente está trabalhando com umas pessoas muito legais dentro e fora do Brasil”.

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